Da indignação à liberdade
Uma família de processadores que está sacudindo o mercado
Tudo começou quando Richard M. Stallman pediu para um fabricante o driver aberto e as especificações do hardware de uma
impressora e recebeu um solene não. De tão indignado com a negativa ele resolveu empreender o que seria o início do
movimento Open Source. Uma espécie de John Lennon cibernético, com um longo currículo de batalhas, ele é o fundador da Free
Software Foundation, a instituição que congrega o espírito libertário das plataformas de livre distribuição. Desdobramentos
do movimento que ele desencadeou, como o Open Content, prometem muitas novidades para o futuro próximo. Stallman virá neste
ano ao Brasil participar do Workshop de Software Livre no Rio Grande do Sul,
e sua presença entre nós será um acontecimento histórico. Ele nos concedeu esta entrevista em que
fala abertamente de questões polêmicas como o
Ucita - Uniform Computer Information Transactions Act, do desenvolvimento do Emacs e do Open Source.
Revista do Linux - Muitas pessoas pensam que seus pontos de vista são muito radicais.
Richard M. Stallman - Minha posição é firme, consistente e idealista, porém não radical. Está solidamente inclusa em uma
tradição de pensamento nos Estados Unidos: de que as pessoas devem ter liberdade, e é bom cooperar com as outras pessoas. Eu
aplico essa tradição em uma área em que não é normalmente aplicada.
RdL - Você acredita que esta atitude ajudou o software livre a chegar onde está hoje?
Stallman - Acredito que sim. Sem o nosso idealismo, não teríamos os sistemas operacionais livres GNU/Linux e *BSD que temos
hoje. Voltando aos anos 80, as pessoas diziam que o trabalho era tão grande que possivelmente não poderíamos fazê-lo. Se
você não tiver muito dinheiro, a única maneira de fazer um trabalho grande é com idealismo.
RdL - O que você pensa sobre a licença de hardware livre? Ele pode chegar ao mesmo nível de sucesso da GPL?
Stallman - O hardware é bastante diferente do software.
A questão se você pode copiar o hardware livremente não é importante se você não puder
copiar o hardware. Você e eu podemos facilmente copiar software, porém não temos copiadores de hardware. Você não pode
normalmente tornar um projeto de hardware em uma peça de hardware, de modo idêntico. A construção do hardware dá muito
trabalho e freqüentemente requer equipamento bastante especializado. Cinqüenta anos atrás, era realmente impossível copiar
informações de textos, porque só estavam disponíveis em livros impressos, os quais só poderiam ser produzidos em grande
quantidade. Agora, você pode ter o texto em seu computador e copiá-lo facilmente. Como resultado desta mudança na
tecnologia, a liberdade de cópia do texto e envio de uma cópia ao seu amigo tornou-se uma liberdade importante. Talvez,
algum dia, a mudança na tecnologia fará com que seja fácil copiar uma peça de hardware. Ou, pelo menos, fácil e automático
transformar projetos de hardware em hardware aproveitável. Eu diria que é impossível. Se isto acontecer, a liberdade de
copiar o hardware ou o projeto e enviar uma cópia para seu amigo tornar-se-á importante. Mas não espere ver isto acontecer
num futuro breve.
RdL - Em www.gnu.org
eu encontrei uma biografia
sua de 1983 que dizia que
um de seus hobbies era
voar. Que espécie de vôo
era esse?
Stallman - Eu fiz meus pequenos vôos, porém parei com essa atividade há um certo tempo. Os locais que gosto de visitar são outras cidades e, simplesmente, não era prático alugar um avião para voar de Boston para visitar uma outra cidade.
RdL - Você tem outros hobbies? Você tem tempo para isso? Como é seu dia-a-dia?
Stallman - Eu adoro dança folclórica e voltarei a praticá-la se eu me recuperar da lesão em meu tornozelo. (Provavelmente
não, penso eu.) Também gosto de ouvir e tocar música, comer e ler. Passo a maior parte do dia respondendo e-mail.
RdL - E sobre a batalha Open Source X Free Software? O que você pensa sobre o movimento Open Source?
Stallman - O movimento Open Source tenta ganhar o suporte empresarial, apenas falando sobre os benefícios práticos em
permitir que os usuários copiem e alterem o software. Eles nunca falam sobre a liberdade como benefício em si. Eu concordo
com o que eles dizem, quanto a isso, porém eles não dizem o suficiente. A obtenção do suporte empresarial é útil, mas ainda
mais importante é a difusão entre os usuários da idéia de que a liberdade por si só tem seu valor. Para manter nossa
liberdade, freqüentemente precisamos nos esforçar para mantê-la e resistir à tentação de desistir dela. As pessoas não farão
isso por meros benefícios práticos. Mas farão, se acharem que algo mais importante está em jogo. Portanto, precisamos falar
sobre liberdade. O movimento Open Source não faz isso. O movimento Free Software faz. Não acho que o movimento Open Source seja ruim ou que deve desaparecer. Mas o movimento Free Software também é necessário. Para mais explicações consulte http://www.gnu.org/philosophy/freesoftware-for-freedom.html.
RdL - Quando você escreveu a GPL, você imaginou que seria tão respeitável e importante nos dias de hoje?
Stallman - Eu não sabia que o software livre teria tal sucesso, fiz apenas o melhor que podia. Geralmente, eu não prevejo o
futuro, porque sei que não posso fazê-lo. Especialmente quando estou lutando por uma boa causa, não tento prever quem vai
ganhar. Eu luto da melhor maneira que posso.
RdL - A GPL não é atualizada desde 1991. Em muitos foruns, as pessoas falam sobre a versão 3. Há uma versão 3 sendo
desenvolvida? A GPL realmente precisa de modificações? Você pode nos dizer algo?
Stallman - Todas as modificações que estou considerando referem-se a pequenos detalhes. Por exemplo, pode haver uma
alteração nas expressões para o critério que constitui uma biblioteca de sistema a que você pode se conectar mesmo que não
seja livre. Estou considerando dúzias de pequenas alterações como esta e dúzias de esclarecimentos para expressões que não são realmente
alterações. Não haverá alterações na abordagem geral e métodos da GPL, e as alterações não devem ter efeito na maioria das
atividades da comunidade de software livre.
RdL - A GPL ainda não foi a julgamento. Você acha que por esses dias irá?
Stallman - Não sei.
RdL - O Manifesto GNU foi escrito em meados dos anos 80, e ainda é atual. Se tivesse a chance de escrevê-lo novamente, o que
você faria?
Stallman - Eu tornaria mais clara a distinção entre livre e gratuito.
RdL - No Manifesto GNU, você escreveu: ..."O kernel necessitará de comunicação mais concentrada e será trabalhado por um
pequeno e seleto grupo..." Com o modelo de desenvolvimento do kernel do Linux, você mudaria de idéia sobre isso?
Stallman - É um erro dizer "kernel do Linux" porque o Linux já é o kernel. Todo o resto não é Linux. Sobre o texto, outros
direitos autorais de pacotes GNU pertencem aos seus desenvolvedores. Para a última categoria, a FSF não pode alterar nada
diretamente sobre os termos da licença. Nós podemos pedir aos desenvolvedores que façam coisas baseadas em seu
comprometimento com o trabalho como parte do Projeto GNU, mas obviamente tais solicitações só serão ouvidas quando forem
coerentes com os objetivos do Projeto GNU.
RdL - Todas as instituições possuem um grau de burocracia. A FSF também?
Stallman - Um pouco. Mas somos dez pessoas, portanto não temos uma grande quantidade de burocracia. Isto acontece
principalmente na assinatura de papéis de direitos autorais, na venda de manuais, CDs e camisetas, na contabilidade (como
uma instituição beneficente registrada, nós devemos ser auditados todos os anos), e na contabilidade em computadores.
RdL - Ok, e com relação à programação? Você realmente escreve códigos como fazia antes? Quais projetos você está mantendo
agora? Emacs?
Stallman - Eu estava mantendo o Emacs até recentemente, porém, não tive tempo suficiente para fazer jus a ele. Eu encontrei uma boa pessoa que conhece o Emacs bem, e o contratei para trabalhar nele em tempo
integral. Portanto, agora estou na maior parte do tempo fora da programação. Tenho saudades dela. É muito divertido. Mas
escrever também é divertido.
RdL - Falando do Emacs, como você vê o futuro do Emacs? Ele será atrativo para novos usuários como era antes?
Stallman - Estamos convertendo-o em um processador de textos WYGSWYS.
RdL - Sério! Para quando podemos esperá-lo?
Stallman - Não sei, mas ele estará pronto em breve se mais pessoas ajudarem.
RdL - Algumas pessoas falam que GPL funciona como um "vírus". Eu sei que você
não gosta desta "definição". Por que?
Stallman - Vírus deixam as pessoas doentes e as matam. Vírus faz com que os computadores parem de funcionar. Comparar alguma
coisa com vírus é um insulto. A única coisa relevante sobre vírus é que eles se propagam. Mas todos os seres vivos se
espalham para novas regiões. Então, por que escolher o termo vírus, entre tantas alternativas possíveis? Uma pessoa cordial
poderia dizer que ele se propaga como grama ou que ele se propaga como pessoas. Mas todas essas comparações são enganosas,
porque, na realidade, a GPL da GNU não se propaga dessa maneira. Ela não salta de um programa para outro; nem se propaga por
contato. Na realidade, ela se propaga por inclusão. Se você incluir uma quantidade significativa de meu código em seu
programa, você deve liberar o programa todo de acordo com a GPL da GNU. Mas você não precisa fazer da GPL a única licença
para seu código no programa. Você pode utilizar uma licença compatível mais amena, como por exemplo a licença X11, se
desejar. E se você utilizar seu código sem meu código em alguma outra versão, você pode fazer isso sempre que desejar. O meu
uso da GPL para meu código só afeta o seu programa se o meu código estiver incluído nele.
RdL - Você poderia dizer alguma coisa sobre o Ucita?
Stallman - O Ucita é uma possessão arrogante da indústria de software proprietário. Isto colocará os usuários de software
proprietário em uma posição de subjugação muito pior do que estão agora.
O Ucita prejudicará o software livre através da restrição da técnica de recuo, o que é algo que precisamos fazer. Para mais
informações sobre o
que o Ucita faria, consulte www.badsoftware.com. Sem muito dinheiro,
a única maneira
de fazer um trabalho grande
é com idealismo.
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