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Liberdade vai ser Lei
A discussão em torno do software livre chega ao Congresso


O projeto de lei sobre o uso preferencial de software livre pelos órgãos públicos, apresentado ao Congresso Nacional pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA), em 15 de dezembro passado, imprime novos contornos à discussão sobre a real viabilidade de se utilizar programas abertos de computador no Brasil, e lança este debate a um novo patamar, de âmbito nacional, envolvendo agora interesses de toda a sociedade brasileira.

Em sua premissa básica, o projeto trata da obrigatoriedade de todas as empresas sob administração pública, em qualquer nível, utilizarem preferencialmente programas abertos em seus sistemas e equipamentos, o que significa softwares livres de restrição proprietária quanto à sua cessão, alteração, utilização e distribuição, e que assegurem ao usuário acesso irrestrito ao seu código fonte (veja íntegra do projeto na página 40).

"A importância deste projeto agora é que ele vai criar condições para esse debate no âmbito do Congresso Nacional, levantando questões relevantes, tais como identificar a importância do uso de softwares abertos, discutir sua base filosófica, pensar o desenvolvimento básico", diz o deputado Walter Pinheiro, acrescentando que "é preciso fazer com que o Estado busque o software aberto como solução" e, por isso, a necessidade de se criar um ambiente que permita fazer este debate com a sociedade.

Hoje não se questiona mais a qualidade do software livre como sistema operacional, diz Pinheiro, que também é membro titular da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, e há três anos atua na área de tecnologia, no Congresso Nacional. Para ele, além de dar condições para universalizar o software, esta lei busca proporcionar uma economia brutal para o Estado, que gasta quantias vultosas com a utilização de software proprietário. "Não se pode falar em popularização de software com programas fechados, que impedem o acesso a quem não pode pagar", afirma.

Segundo Pinheiro, mais do que apreciar o projeto, é fundamental debater, na Comissão de Ciência e Tecnologia, a questão da universalização do software, aprofundar essa discussão com o relato de experiências de usuários e grandes empresas que já se beneficiam com o seu uso, trazer profissionais de outros países para falar de suas experiências nessa área, relatando, por exemplo, como o Estado conciliou necessidades e redução de custos, ou resolveu a utilização híbrida de softwares abertos e proprietários.

Em sua justificativa que acompanha o projeto de lei, o deputado argumenta: "se as pequenas, médias e grandes empresas multinacionais já estão adotando programas abertos, evitando assim o pagamento de centenas de milhões de dólares em licenciamento de programas, porque deveria o Estado, com uma infinidade de causas sociais carentes de recursos, continuar comprando, e caro, os programas de mercado".

"Sei que vamos nos contrapor a interesses bilionários. Mas é importante ressaltar que a lei proposta não tem intenção de definir distribuição padrão, pois utiliza o conceito de preferência e não de imposição", explica. Ao falar em uso preferencial, o projeto de lei estabelece que a empresa licitante precisa ter uma boa justificativa para não adquirir programas abertos. A exceção fica para os casos de inexistência de software aberto que atenda a contento as especificações contidas na licitação pública.

Isso significa, de acordo com o deputado, que a compra de software pelos órgãos públicos terá que obedecer os parâmetros normais de mercado, tais como custo de aquisição, recursos, bom suporte, capacidade de adaptar-se à realidade brasileira, disponibilidade em português. "Se não fosse assim, estaríamos impondo o uso do software aberto para qualquer compra", diz.

Para elaborar o projeto de lei, Pinheiro contou principalmente com a colaboração do pessoal do Rio Grande do Sul e com a Procergs - empresa estatal de processamento de dados do Rio Grande do Sul, que vem desenvolvendo projetos para implementação maciça de software livre e aberto no Estado, com adesão de diversos setores e universidades do Estado.

"Com o uso do software aberto, as empresas passam a ter domínio tecnológico e controle sobre o programa que estão adquirindo e podem adaptá-lo às suas particularidades, ao contrário do software convencional, em que o usuário precisa adaptar-se a ele", afirma Marcelo Branco, diretor vice-presidente da Procergs, ao comentar os benefícios do projeto de lei.

Branco acredita que o projeto de lei tenta estabelecer, na prática, o que já é vontade da maioria das empresas e dos brasileiros. Para ele, a forma como se utiliza a licença de software por máquina tem impedido o crescimento do Brasil nessa área, e o alto índice de pirataria mostra que as pessoas não aceitam este tipo de comercialização.

A forma de comercialização do software proprietário também é questionada por Abelardo Teixeira Fraga, presidente da Sucesu Nacional. "É absurdo pagar por cada cópia de software; os valores cobrados já devem ter sido amortizados há muito tempo", afirma ele, acrescentando: "Nós somos contra a pirataria e esse tipo de atitude que lesa o fornecedor, mas se o preço do software cair, diminui a pirataria".

Como presidente de uma instituição que representa os usuários, muitos deles do governo, Fraga só vê vantagens no projeto de lei. "Do ponto de vista do consumidor, quanto mais barato ele comprar, melhor. E se o projeto conseguir tudo a que se propõe, como liberação do código fonte, vamos melhorar a qualidade da informatização, pois todos poderão colaborar com seu conhecimento e desenvolvimento tecnológico".

"Ao ganhar cada vez mais em qualidade, o software livre resgata o conceito de que a forma de produção solidária é melhor do que a competitiva", diz Branco. Para ele, o debate que será aberto com a proposta, somado à iniciativa do projeto Software Livre - RS, vem bem a calhar no cenário atual em que a tecnologia da informação é fundamental para o desenvolvimento nacional.

Sandro Nunes Henrique, presidente da Conectiva, distribuidora nacional de software aberto, está entre os empresários que só vê vantagens no projeto de lei. "Até esperaria que a adoção do free software pelos órgãos públicos não precisasse de lei, que fosse natural usá-lo como solução de informatização", afirma.

Além de evidente redução de gastos com software, é uma solução estrategicamente melhor pelo controle e segurança em relação ao conteúdo do sistema operacional em uso, diz ele. "Com a plataforma de software aberto, não existe nada estranho, tipo back door, mandando cópia de seus e-mails para outros lugares", exemplifica.

Outro aspecto importante, ressalta Sandro, é que a adoção do software livre não se restringe apenas a uma troca de base e manutenção da mesma plataforma de software. "A mudança é geral, o que vai acarretar um ganho de qualidade em todo o sistema", afirma. E explica: além de operar com um sistema operacional de características mais avançadas - multiusuário, multiprocessado, multitarefa -, qualquer órgão do governo que adote essa solução terá um conjunto adicional de programas à disposição, com todo tipo de aplicativos e programas da melhor qualidade.

Se o governo aceitar o projeto de lei, haverá uma adoção maciça de software livre no Brasil, pois o Estado é o maior comprador de software do mercado. Para Sandro, além de acelerar o processo de informatização do país e melhorar a qualidade dos serviços de automação do governo, esse processo tende a provocar um forte desenvolvimento de tecnologia e o acentuado crescimento na área de serviços. Isso porque, mais do que ser gratuito, "o conceito de free software está criando um novo modelo econômico, no qual o usuário paga pelo serviço agregado pelo uso do software, e não mais pela licença de uso", explica.

De imediato, o presidente da Sucesu Nacional acredita que o projeto de lei não deverá causar grande impacto no mercado, pois fala de uso preferencial. "Mas sempre que há algum tipo de restrição de mercado, alguém vai espernear", diz ele. Se houver a popularização do software, acrescenta, aí então a repercussão será enorme.

"Sou amplamente favorável à universalização das telecomunicações e à democratização da informática, e esse projeto de lei é um dos caminhos", diz Fernando Nery, presidente da Assespro Nacional. Como objeção, o caráter restritivo do termo "preferencialmente" utilizado no texto da lei: "Eu encaminharia o projeto para igualdade de competição", sugere.

Preferencialmente, continua Nery, o governo deveria tomar a decisão de se informatizar, pois tendo a informatização do Estado como uma de suas premissas, ele enxugaria custos, aumentaria a lucratividade e tornaria a administração mais produtiva, como fazem as empresas que buscam melhor retorno de seus investimentos.

Outro aspecto a ser considerado é a incrível rapidez com que ocorrem as mudanças na área de tecnologia. Segundo Nery, para uma lei como esta dar certo, ela precisa tramitar rapidamente no Congresso. "Tenho discutido com o pessoal da Comissão de Ciência e Tecnologia que os trâmites burocráticos para aprovação das leis no Brasil são muito lentos; demoram até quatro anos. E aí, ou elas não emplacam ou vão sofrendo mudanças drásticas", comenta.

Outra ressalva do presidente da Assespro é com relação ao código fonte aberto, que pode criar a necessidade de contratação de mais técnicos e programadores por parte de órgãos públicos que não são técnicos, como o ministério da saúde, por exemplo. Além disso, Nery acredita ser necessária a existência de um órgão de competência, que poderia ser o Serpro, para avalisar as alterações e administrar os fontes das empresas.

O uso de software livre em órgãos públicos, argumenta Sandro, é mais uma questão política e administrativa do que técnica: "eles precisam saber se esta solução é a que buscam, se é adequada às suas necessidades". Quanto ao código fonte ser aberto, diz ele, já existe um modelo que funciona, comprovadamente, e que regulariza o uso do software livre no mundo. Todas as melhorias que são feitas no código aberto são incorporadas, com exceção daquelas que tratam de segurança e criptografia, e alguém coordena esse conjunto de alterações. "No caso da administração pública, talvez devesse ser criado algo como a versão governo brasileiro, para que houvesse essa organização", sugere ele.

Para que o projeto de lei decole, Sandro aponta a questão educacional como um dos requisitos: a proposta de adoção do software aberto tem que vir acompanhada de uma proposta de estímulo ao desenvolvimento do código aberto em universidades, laboratórios, etc. "O governo precisa estimular a pesquisa e o uso do software livre. A Conectiva, por exemplo, está desenvolvendo o projeto de uma Universidade Aberta do Software Livre", complementa.

A Sucesu, que tem apoiado iniciativas de uso do software livre em várias de suas regionais através de grupos de usuários que se dedicam ao estudo de Linux, está interessada em debater o assunto. "Convidarei o deputado Walter Pinheiro para palestras e discussão do projeto de lei no âmbito da Sucesu", diz Fraga, explicando que a Sucesu Nacional congrega os presidentes das Sucesu regionais, que representam 22 estados brasileiros. "Nossas ações são conjuntas, o que significa que uma vez abraçada uma causa, ela é seguida por praticamente todas as regionais", afirma.

Reafirmando a importância do debate, Fraga comenta que o grande problema que se ouve falar sobre o uso de software livre é que os usuários do sistema são obrigados a ter conhecimento específico da área para fazer modificações.

Para o deputado Walter Pinheiro, é claro que o projeto de lei tem imperfeições, por isso o tempo de debate é fundamental para adequá-lo aos padrões culturais de nossa sociedade. O ideal, avalia ele, é que o processo todo - debates e relatório - durasse de três a quatro meses.

Os debates só terão início após definidas as Comissões pelas quais deverá transitar o projeto de lei, sua acolhida por elas, e a escolha de um relator.

Mas não se pode ignorar que o simples encaminhamento do projeto de lei ao Congresso provocou um impacto imediato. Um mês depois, em meados de janeiro, o deputado Walter Pinheiro já havia recebido mais de 2 mil e-mails de diferentes usuários que acreditam nos benefícios que o projeto de lei proporcionará ao país, entre eles, a evidente economia de recursos do governo proporcionada pelas licenças de uso gratuitas do software aberto.

Divulgado inicialmente em sites internacionais de notícias, como o Gildot (Portugal), Barrapunto (Espanha), LinuxStar e Slashdot (Estados Unidos), e nos sites brasileiros CoreNews, Linux Trix e Conectiva, as adesões ao projeto de lei vieram dos mais variados países, como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Noruega, Austrália, África do Sul, Dinamarca, Irlanda, Holanda, Inglaterra, e de inúmeros cidadãos brasileiros, entusiasmados com as novas possibilidades de acesso à informatização que se abrem para a sociedade brasileira.

Projeto de Lei sobre Software Livre Protocolado na Câmara Federal

PROJETO DE LEI N.º 2269/99

Dispõe sobre a utilização de programas abertos pelos entes de direito público e de direito privado sob controle acionário da administração pública.

Artigo 1º - A administração pública, em todos os níveis, os Poderes da República, as empresas estatais e de economia mista, as empresas públicas, e todos os demais organismos públicos ou privados sob controle da sociedade brasileira, ficam obrigadas a utilizarem preferencialmente, em seus sistemas e equipamento de informática, programas abertos, livres de restrição proprietária quanto a sua cessão, alteração e distribuição.

Artigo 2º - Entende-se por programa aberto aquele cuja licença de propriedade industrial ou intelectual não restrinja sob nenhum aspecto a sua cessão, distribuição, utilização ou alteração de suas características originais.

Artigo 3º - O programa aberto deve assegurar ao usuário acesso irrestrito ao seu código fonte, sem qualquer custo, com vista a modificar o programa, integralmente, se necessário, para o seu aperfeiçoamento.

Parágrafo Único. O código fonte deve ser o recurso preferencial utilizado pelo programador para modificar o programa, não sendo permitido ofuscar a sua acessibilidade, nem tampouco introduzir qualquer forma intermediária como saída de um pré-processador ou tradutor.

Artigo 4º - A licença de utilização dos programas abertos deve permitir modificações e trabalhos derivados e sua livre distribuição sob os mesmos termos da licença do programa original.

§ 1º - A licença somente poderá restringir a distribuição do código fonte em forma modificada caso permita a distribuição de programas alterados conjuntamente com o código fonte original, objetivando a alteração do programa durante o processo de compilação.

§ 2º - Deve permitir também explicitamente a distribuição de programa compilado a partir do código fonte modificado, podendo para tanto exigir que os programas derivados tenham diferentes nomes ou números de versão, que os diferenciem do original.

Artigo 5º - Não poderá haver cláusula na licença que implique em qualquer forma de discriminação a pessoas ou grupos.

Artigo 6º - Nenhuma licença poderá ser específica para determinado produto, possibilitando que os programas extraídos da distribuição original tenham a mesma garantia de livre alteração, distribuição ou utilização, que o programa original.

Artigo 7º - As licenças de programas abertos ou restritos, não restringirão outros programas distribuídos conjuntamente.

Artigo 8º - Os certames licitatórios que objetivem transacionar programas de computador com os entes especificados no artigo 1º desta lei, deverão obrigatoriamente ser regidos pelos princípios estabelecidos nesta legislação.

Artigo 9º - Apenas será permitida a utilização pelos entes do artigo 1º, de programas de computador cujas licenças não estejam em acordo com esta lei, na ausência de programas abertos que não contemplem a contento as soluções objeto da licitação pública.

Sala das Sessões em 15 de Dezembro de 1999

Deputado
Walter Pinheiro (PT-BA)
Manifestações de apoio podem ser enviadas para:
dep.walterpinheiro@camara.gov.br
 

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